Páginas

segunda-feira, 18 de abril de 2011

sábado, 16 de abril de 2011

Nem sei como cumece

“ Eu vou contar uma histora que eu não sei como cumece”

Patativa é para todos os momentos! Pois é, nem sei por onde começar...
Antes de sair de São Paulo coloquei como meta para o Palco Giratório o ato de escrever todos os dias, coisa que aos trancos e barrancos consegui fazer , deixando escapar apenas um dia ou outro , quando participei dessa mesma saga giratória com o Ventoforte , em 2008. Aí me pergunto: como eu consegui? É tanto que vi, ouvi, que troco, que sinto, é tanto mar, é tanto chão, é tanto de um tanto que não se finda... e ainda assim parece que nunca basta! Como estar grávida de algo que não se sabe bem o que é! Ebulição!

No Pensamento Giratório, no Rio de Janeiro, o professor citou um outro poeta que dizia que a poesia era como ouriço, que ela te transpassa, te machuca, te incomoda por qualquer lugar que você tente pegá-la! No momento quase descordei pensando: “Também conforta!” Mas eu estava enganada; até o conforto é ânsia!. É um me encontrar lá no fundo, quietinha no meu canto. E desde que deixamos nosso porto-paulista tem sido assim. Tenho sido cutucada ora pelo sol intenso , pelo sal desses mares azuis na pele (como consegue ser tão azul e tão verde ao mesmo tempo?) ora pelas pedras deslumbrantes da estrada de Quixadá, pelo Dragão do Mar, pelo pôr do sol em João Pessoa, pelos barquinhos de São Salvador ...

Mas, além de todas essas visagens se plantarem dentro de mim sou atravessada pelas pessoas que se achegam com suas histórias , com seus cantares! Como um encontro fortuito nos Arcos da Lapa que foi desembocar em Salvador na oralidade de Zé Poleiro, através do gesto carinhoso de Arthur. Como numa tarde vagarosa em João Pessoa em que tivemos o privilégio de dividir a mesa, os sambas, a cerveja, os cocos de raiz com o lindo senhor que responde por Baixinho. Ouvimos seu pandeiro e seu poderoso cantar do alto de seus cabelos brancos. Ajuntou gente, mais pandeiros, mais violão, grupo Lavoura, Teatrália e outros encantados!

Como não se emocionar ao ouvir Bule Bule(Salvador) e Franklin Maxado (Feira de Santana) com seus cordéis ou não ter vontade profunda de voltar a estudar depois de presenciar o professor Rubens Pereira falar sobre a linguagem e a poesia!
É tanta gente, é tanta arte , são tantas Anas, Danis, Zés, Raimundos, Nocas ... é tanto de um tanto que nem sei...se eu for citar tudo ou todas as pessoas que me geminaram até agora seria ingrata com alguém ou pelo esquecimento de nome, ou pelo modo raso de falar de tanta profundidade.

Hoje o núcleo durante o Pensamento Giratório em Feira de Santana foi desafio. Que desafio bão! Bom dimai!!!
Nem de longe consegui expressar tudo o que desejo mas enfim... é só um começo!

por Karen Menatti

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Texto escrito para o Festival Assitej 2011 que será realizado em maio na Dinamarca. A Cia do Tijolo fará seis apresentações de seu espetáculo "Concerto de Ispinho e Fulô" em Copenhagen.


Por Fabiana Vasconcelos, Rogério Tarifa e Iná Camargo Costa


Manifesto-Ação

Ser artista é uma possibilidade que todo ser humano tem, independente de ofício, carreira ou arte. É uma possibilidade de desenvolvimento pleno, de plena expressão, de direito à felicidade.
A possibilidade de ir ao encontro de si mesmo, de sua expressão, de sua felicidade, plenitude, liberdade, fertilidade é de todo e qualquer ser humano.
Isso não é um privilégio de artista, é um direito do ser humano - de se livrar de papeis, de exercer suas potencialidades e de se sentir vivo.
Todo mundo pode viver sua expressão sem estar preso a um papel. Não se trata de ser artista ou não, mas de uma perspectiva do ser humano e do mundo. Não se trata só de todos os artistas serem operários, mas também de todos os operários serem artistas. Das pessoas terem relações criativas, férteis e de transformação com o mundo, a realidade, a natureza, a sociedade.
O homem não está condenado a ser só destruidor, consumista, egoísta como a sociedade nos leva a crer. Amir Haddad – diretor brasileiro do histórico grupo Tá Na Rua

O que nos une, além do fato de sermos trabalhadores de teatro e participarmos do Festival Assitej para público jovem na Dinamarca? Será que em algum momento tivemos os mesmos sonhos? As mesmas crises? Que artistas somos? Pra quem fazemos teatro? Que homem é esse? Que tipo de artistas temos que ser para criarmos hoje?
Como diria Paulo Freire, um dos maiores educadores do Brasil e um dos pilares da nossa montagem “Concerto de Ispinho e Fulô” , a leitura do mundo precede a leitura da palavra, ou como escreveu Frei Betto, a cabeça pensa, onde os pés pisam. Fazemos parte da Cia do Tijolo, que tem 11 integrantes, não possui sede e que fez uma opção muito radical: a de ser um grupo de teatro. E para falar da Cia do Tijolo e do teatro que fazemos, nada melhor do que começar com o poeta Patativa do Assaré, figura central deste espetáculo. Patativa do Assaré, agricultor e poeta cearense que só estudou seis meses e que através dos seus poemas ficou mundialmente conhecido. Artista que nunca fugiu das questões importantes para a transformação da sociedade, poeta que nunca se eximiu de se posicionar e apontar as injustiças sociais. Homem que leu o mundo e conseguiu através da arte e do exercício da sua cidadania se tornar um ser consciente. Requisitos imprescindíveis para o teatro e o artista que queremos ser. Nasceu e morreu pobre. A nós não interessava tratar esse artista como gênio em nosso espetáculo, pois tratá-lo como gênio seria banalizar todo o caminho que o levou a ser um artista-agricultor-cidadão com domínio de seu tempo e de seu papel como homem. A sociedade atual, através do capitalismo desenfreado que nos consome até as vísceras, vive vinte quatro horas por dia elegendo celebridades e nos fazendo acreditar de que nada podemos. E que as coisas são assim porque são. Nos retira a história.
Nos coloca o tempo inteiro uma cisão entre a arte e a vida, como se a arte fosse um privilégio para alguns e não uma necessidade e um direito de todos.
As nossas crianças já nascem assim, um pouco órfãs do tempo.
Encontrar e homenagear esse poeta, falecido em 2002, nos fez refletir em todas as camadas possíveis da criação teatral. Estética, forma, conteúdo, relação interna de trabalho, relação com o público, nos fez e nos colocou de frente com a opção que já tínhamos feito há muito tempo, de trabalhar coletivamente, sem hierarquias, acreditando que onze cabeças pensam melhor que uma. Que trabalhar com teatro, dentro de um grupo, de alguma forma, é acreditar em outros paradigmas, é construir um pouco a sociedade que acreditamos.
O espetáculo reage de modo crítico à cultura dominante ao escolher como tema central a poesia de Patativa do Assaré e denuncia as práticas da dominação, inclusive cultural, ao mostrar que um poeta popular registrou um dos horrores da nossa história, que a cultura oficial insiste em ignorar. Finalmente, é uma tentativa de mostrar a força da cultura popular brasileira, com a qual ainda temos muito o que aprender.

E dessa forma, partimos do nada, sem nenhum apoio financeiro, da mesma forma como começam grande parte das montagens de teatro de grupo no Brasil. Como diz a professora Iná Camargo Costa - é uma “ação entre amigos”. No nosso país, os investimentos em educação e cultura ainda são mínimos. Educação e cultura ainda estão longe de serem prioridades.
O que nos impulsionava era a certeza de que naquele momento, era imprescindível contar a história desse poeta, desse artista.
E para revelar os caminhos que esse homem percorreu, algumas opções foram feitas. Não adiantava ficar só no discurso e na poesia desse poeta, deixamos que o conteúdo transformasse a forma, que não só os caminhos do Patativa fossem revelados, mas também os nossos, o do público e da peça. O espetáculo pediu que ele acontecesse numa semi-arena, pois é só numa arena, numa roda, que todos podem se ver, todos podem se ouvir e todos podem juntos construir esse espaço cênico propício que desejávamos para a criação artística.

Muitas Companhias de São Paulo e do Brasil trabalham dessa forma, buscando novas possibilidades de encontro com o público e com a cidade. O palco italiano que ocupa grande parte dos teatros brasileiros e que propõe a priori a separação entre palco e platéia, já não nos interessa tanto. Muito dos grupos buscam um espetáculo que seja permeável, um encontro e uma troca viva entre atores e público.

E assim fazemos teatro aqui, nessa grande metrópole de quase quinze milhões de habitantes. Um pólo para onde migraram pessoas de todas as partes do Brasil e de muitas partes do mundo. Uma cultura urbana, do cimento. Uma cidade apressada, non stop. Aqui o tempo se faz escasso, os jovens têm muitas atividades, muitas horas são perdidas em congestionamentos e pais e filhos acabam, em sua maioria, tendo pouco tempo de fruição conjunta. E é nestes encontros rápidos que se compartilha a emoção, permeada pelos problemas práticos do cotidiano, pelas contas a pagar, pelo cansaço do dia-a-dia. Aqui, fruir a experiência do teatro é quase que uma suspensão no tempo. É dar espaço para a manifestação das emoções mais recônditas. É uma das possibilidades de respiro. E são nesses respiros e nesse agito que fazemos arte, é de onde brota a nossa poesia.
"Concerto de Ispinho e Fulô" não foi especialmente concebida para o público jovem. Acreditamos que justamente por não ser um espetáculo concebido especialmente para platéias jovens é que este espetáculo pode se relacionar de maneira ampla e profunda com este público. "Concerto de Ispinho e Fulô" foi um espetáculo construído para todos os públicos, foi erguido com os tijolos das experiências pessoais de cada um dos integrantes do grupo, e cimentado com a aguda percepção poética da vida com que Patativa do Assaré escreveu seus versos e sua história. E por este motivo, convida cada um que ali está, criança, jovem ou adulto a compartilhar desta emoção, a ser autor de si mesmo, responsável por suas escolhas, um criador.
Abrimos assim, em cena, os nossos processos, os nossos caminhos. Não temos medo de contar as nossas histórias, de dizer quem somos. Somos artistas, de uma pequena companhia de teatro brasileira, que tem 11 integrantes, não possui sede própria e que fez uma escolha radical, fazer teatro de grupo no Brasil. E é aqui que nossos filhos e sonhos nasceram e continuarão a nascer.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Geografia, teatro e poesia: Patativa do Assaré e a Cia do Tijolo

Segundo o geógrafo chinês Yi-Fu-Tuan, professor emérito da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, a noção de lugar se dá pelas relações afetivas que as pessoas estabelecem com determinados espaços. A própria historia de Yi-Fu-Tuan reflete a história de migrantes - cada vez mais comum em nosso mundo pelo aumento da proximidade dos lugares devido ao desenvolvimento dos transportes, mas também a outros fatores sociais, como por exemplo, as guerras e o desemprego. Se hoje são principalmente esses movimentos que geram e incentivam os fluxos migratórios, antes eram os fatores naturais que expulsavam as pessoas dos lugares onde viviam atraídas pela esperança de uma vida melhor em outras terras.
A região do Cariri, localizada no sul do estado do Ceará, na divisa com Pernambuco, notabilizou-se pela migração sempre presente em decorrência da seca. A chapada do Araripe, impedindo a passagem de nuvens carregadas que rumam do litoral atlântico em direção à Amazônia, faz com que essas águas ali permaneçam e irriguem naturalmente o solo. Isso favoreceu o desenvolvimento da agricultura e a prosperidade da região. Entretanto foram inúmeras as secas que ali também ocorreram obrigando os sertanejos, mesmo com o pouco recurso, a ir embora.
A apresentação da Cia. Do Tijolo - paulistana nascida em 2009, filha de paulistanos, pernambucano, mineiro, paranaense, catarinense e capixaba - em Fortaleza reflete essa história e fez arrepiar quem por lá, como eu, teve o privilégio de assistir. Quando a platéia, em coro, ao primeiro acorde começa a cantar a letra e música composta em 1956 por Venâncio, Corumba e Guimarâes - por sinal os dois primeiros eram atores de teatro - mesclando moda de viola e repente, e eternizada por diversos intérpretes da música brasileira, fica difícil conter a emoção, mesmo para mim, que já assisti a dezenas de vezes ao espetáculo. O coro entoando “A vida aqui só é ruim/ Quando não chove no chão/ Mas se chover dá de tudo/ Fartura tem de montão” emociona, pois revela na face de cada um essa herança colonial tão arraigada ainda hoje em nossa cultura e em nossas almas. “O Último pau-de-arara” expressa mais que nenhuma outra, a realidade da seca que, infelizmente, devido à ganância dos homens ricos, ainda hoje persiste.
Essa relação de pertencimento e paixão a um lugar, tão cara em tempos de globalização, perfeitamente expressa nessa canção no refrão “Só deixo meu Cariri/ No último pau-de-arara” é exaltada pela Cia do tijolo em um dos pontos altos do espetáculo, ao convidar o público, um a um, a escrever com giz, na lona de caminhão que reveste o palco, o nome do seu lugar. A sensibilidade dos atores ao contracenar com o público permite ao espectador sentir-se à vontade. Logo a lona está cheia de nomes de cidades diversas, inclusive estrangeiras, revelando no palco as geografias íntimas de um Brasil migrante.
O cenário composto por tijolos, lamparinas, brinquedos baratos, como um pião e um avião de madeira, enxadas, potes, sinos, lousas, carrinho de mão e tecidos de renda sugere uma paisagem pobre, seca, típica do sertão brasileiro e reflete o espaço que permitiu o florescimento da poesia de Patativa, poeta cearense, nascido em Assaré, na região do Cariri. Camponês arraigado à terra, Patativa enxergava o mundo através do seu lugar. Esse pensamento guiou a construção da peça Ispinho e Fulô, nome adotado de um livro de poesias de Patativa pela Cia. Do Tijolo. Cada ator apresenta a sua visão, a sua geografia íntima, do que para ele é o sertão. A fé desesperada, a loucura, a vida de gado, o estranhamento, o abandono...
O mapa do Brasil desenhado no centro do palco não deixa margem a dúvidas: o território da poesia se abre pelas mãos de Patativa ao convidar o grupo de atores a dar uma volta pelo sertão. Tampouco a discussão sobre o poder, tão presente na obra de Patativa, é esquecida. Foram diversos os massacres que ocorreram nesse imenso país continental em nome de uma suposta integração nacional. A história do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto é uma dessas histórias que lembrada em versos pelo poeta é incorporada à dramaturgia. Caldeirão nunca vai acabar pode sugerir duas coisas: a dominação e a repressão sempre estarão presentes, mas também a resistência. O jogo do poder torna-se explícito, e faz dessa peça uma das mais belas poesias acerca do Brasil.

Vicente Torres Tomazi (Vico)